segunda-feira, 21 de março de 2005

Funerais

No meio de janeiro, o avô do dono da voz encenou seu ato final neste mundo, tocou as últimas notas na sua gaita como se elas fossem os clarins anunciando o porvir. Foi um choque descomunal, abrupto, como se fosse o ladrão da noite quando todos se sentem seguros e confortáveis. O mundo tornou-se um lugar instável demais desde então.

Foi assim que se perdeu o elo com o passado, a história de onde viemos, o lastro da paixão pela música da alma de artista. No mês seguinte, o segundo funeral, o rompimento com o futuro que pacientemente esboçavam há quatro anos. Novamente, a violência sem aviso, o apocalipse sem as profecias anunciando que era chegado o fim dos tempos, e ela partiu para um sonho diferente onde não existia lugar para o dono nem para a voz.

Alijados do futuro e sem o passado para nos sustentar, resta agora esse hoje, o agora irreconhecível porque foi desfigurado, arrancaram o que tínhamos para enfrentá-lo. Esse presente de grego nós rejeitamos, não nos encontramos nele nem sabemos como atravessá-lo até que cheguem dias melhores.

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