sábado, 22 de outubro de 2005

O assunto da vez

O dono da voz matutou, pensou e repensou em escrever algum depoimento oficial para esta voz falar sobre o referendo. Desistiu: muita gente falando, e muita bobagem sendo dita. Mas eis que surge uma notícia que é melhor do que mil palavras:

Discussão sobre referendo termina em tiros em MG
PAULO PEIXOTO
da Agência Folha, em Belo Horizonte

Uma discussão sobre o referendo acerca da venda de armas de fogo e munição dentro de um bar em Juiz de Fora (255 km de Belo Horizonte) foi encerrada na madrugada desta sexta-feira com o defensor do "não" disparando três tiros contra o defensor do "sim".

O atirador foi preso em flagrante, e a vítima, internada no pronto-socorro da cidade.

Segundo o delegado Rodrigo Salomão, que fez a autuação, Fagner Silva Torres, 23, desempregado, estava bebendo no bar em um bairro da cidade quando começou a discutir sobre o referendo deste domingo com William da Silva, 26, também desempregado.

Eram cerca de 2h quando os ânimos entre os debatedores, que não se conheciam, se exaltaram. Torres sacou a sua arma e disparou três tiros contra Silva.

O defensor do "sim" foi levado para o pronto-socorro municipal de Juiz de Fora, onde foi operado e continuava internado no início da noite no centro cirúrgico. Segundo o hospital, Silva não corre risco de morte.

Torres fugiu usando um carro. A Polícia Militar foi chamada e iniciou as buscas, localizando-o já na saída da cidade, na rodovia BR-040, que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro. A arma utilizada no crime foi encontrada escondida no filtro de ar do veículo, segundo a PM.

A Polícia Civil informou que o revólver usado por Torres tinha o número do registro raspado. Na delegacia, segundo o delegado, o suspeito confessou o crime e o motivo da desavença: o referendo. O atirador foi indiciado por "tentativa de homicídio qualificado por motivo fútil", disse Salomão.

Precisa dizer mais?

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

Coisa rara

O dono da voz atualizou o site. Como sempre, depois de um loooongo tempo de silêncio.

terça-feira, 11 de outubro de 2005

Da validação da fila como modelo para o estudo sociológico

Estava o dono desta voz que lhes fala na famigerada fila do Consulado dos EUA em São Paulo para conseguir o visto adequado para participar de um congresso. Filas são locais (ou eventos?) privilegiados para a observação sociológica, como se verá a seguir. Ali na fila do consulado, havia uma excelente amostra da malfadada elite, aquela que o presidente jura ser culpada pela greve de fome do bispo da Barra, dom Luiz Flávio Cappio. Elite da qual fazem parte você que tem acesso à internet, o bispo, o presidente, o dono da voz e, por extensão, a própria voz.

O espécime mais interessante era, sem dúvida, um caipira-country vindo direto da Festa do Peão. Com chapelão, botina e uma imensa fivela prateada, o cowboy destoava no meio daquele mar de civilidade urbanizada que era a fila. O vendedor de guarda-chuvas proporcionou alguma diversão à elite entediada gritando a cada cinco minutos para o cowboy "Tião", que deve ser personagem dessa novela que se passa em Barretos, uma cidade do estado da Flórida. "Compra um guarda-chuva, Tião!"

Sabe-se que a característica principal da elite é achar que tem mais direito do que o resto do mundo. Essa "qualidade" era manifesta nas reclamações contra a demora e o "absurdo" de serem obrigados a passar por aquela humilhação para entrar nos EUA. Duas mulheres que tinham sido, por algum motivo, impedidas de entrar reclamavam indignada seus direitos de não voltar à fila mais tarde.

Outras duas representantes da espécie estavam bem na frente do dono da voz. Quando o segurança do consulado veio remanejar a fila para fazer o milagre da multiplicação do espaço, elas delicadamente se apresentaram como procuradoras do Estado e, imbuídas desse cargo divino, respeitosamente requeriam um atendimento privilegiado. Ou queriam furar a fila, diria o vendedor de guarda-chuvas, que continuava oferecendo seus produtos ao Tião. O segurança era bem treinado: atendimento preferencial só para idosos, gestantes e defiicentes físicos.

Se o melhor do Brasil são os brasileiros, ficam eleitos o vendedor de guarda-chuvas e o segurança do consulado, que explicou as regras básicas da ordem do atendimento às procuradoras, os melhores dentre as melhores coisas do Brasil.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Um pronunciamento oficial

Foi isso o que o dono da voz andou pensando nestes últimos dias:


"Mais uma parte do alicerce da minha cidade ruiu na última segunda-feira. É a terceira vez que isso acontece este ano. Menos repentino, o último golpe desferido era aguardado como se espera por uma notícia ruim que é inevitável chegar. Porque já se sabe que ela está à porta, mas não se sabe quando ela entrará pela casa e levar toda alegria que encontrar.

Mais uma parte da minha casa desmoronou na última segunda-feira. Depois de quase uma década se agarrando aos fios da vida que ainda lhe restavam, meu avô não conseguiu vencer. E ele já havia vencido tanto!... Há jogos em que uma derrota apenas basta para o fim. Nunca se vence, apenas temos a chance de continuar no jogo. Fiquei com uma sensação estranha, de alívio porque, apesar de tanta vontade de viver, era uma vida já sofrida demais, e de tristeza porque o homem que parecia sobreviver a qualquer doença finalmente sucumbira.

A verdade da morte se impôs: não somos eternos nessa terra. Porém, foi emocionante ver a vontade com que meu avô lutou contra essa verdade. Como um sonhador. Como quem acredita na utopia da vida. E eu espero manter viva essa luta contra o que não for vida, ainda que a derrota seja certa.

Descansa em paz, vô. Foi um bom combate."



Placar do ano: 3 x 2 para a tragédia.

sábado, 1 de outubro de 2005

Da filosofia

"O mundo me condena
E ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome
Deixando de saber
Se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome.

Mas a filosofia
Hoje me auxilia
A viver indiferente assim"
(Filosofia, de Noel Rosa)
Não, o mundo não condena o dono desta voz. Talvez a voz, mas não o dono, acho. O passado até que pode condenar, mas boa parte dos pecados prescreveram faz tempo. Os crimes foram de réu primário, e há atenuantes.

Ainda que não haja condenação, é bem-vinda a filosofia, no entanto, seja ela a de vida, de bar, de fé ou mesmo a dos filósofos (que são todas filosofias, mas filosofias diferentes, como se bem sabe). Porque é com essa "filosofia" que o dono da voz se reconstrói, explica o mundo e a si mesmo, criando um habitat no qual a vida é possível. Iacob semper reformandus est.

Não precisa falar da gente, não somos adeptos do "fale mal, mas fale de mim". As memórias também vivem quando estão quietas e intocadas, assim como o sol continua brilhando mesmo que ninguém se lembre dele. Na memória, aquilo que é real fica mais valioso porque passou pela ourivesaria do hipocampo.

"Deus me ensinou praticar o bem,
Deus me deu essa bondade" (Cuidado com a outra, de Chico Buarque)

Ao dono da voz Deus fez o mesmo, caro Chico. Mas ele não abre porta, porque isso é trabalho para quem quiser entrar. Aliás, elas sempre ficaram destrancadas (mas não espalha não!).