terça-feira, 17 de novembro de 2009

Complexo de cigarra


O dia passeia como mulher olhando lojas: a cada vitrine, pára e olha o que tem, demoradamente, mesmo sem a menor intenção de comprar. O dono da voz hoje também passa o dia preguiçoso, pulando do livro para o jornal, do jornal para um disco, do disco para as notícias no que também vagarosamente vão surgindo nos grandes portais de informação da internet, sempre evitando cair na tentação do trabalho útil.

Há tempos vejo o dono da voz impaciente com tudo o que é trabalho real, este que as pessoas normais fazem para ganharem um salário no fim do mês. O dono da voz trabalha muito, mas sempre em coisas que não lhe rendem um só centavo: inventa novos romances, analisa a política internacional, faz arranjos de músicas obscuras, aprende essas linguagens de índio que as máquinas falam para colocar tudo o que faz na grande rede digital. Mas nada disso nunca é terminado, e portanto nada disso lhe rende dinheiro para viver. Parece um complexo de cigarra, que vive cantando, e isto também é um trabalho digno. Mas não é possível trabalhar sem receber, ainda mais sem ter a vida ganha.

Imaginem vocês o que é para uma voz ter que reclamar deste comportamento do dono, que vive cantando sem ter ao lado um chapéu onde pinguem uns cobres. Mas a garganta se cansa e precisa ser regada de vez em quando, e o estômago teima sempre em fazer um som grave fora de tempo quando contrariado.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Invertendo as festas

A marcha intolerante do tempo vai nos empurrando para o Natal mas, aqui em casa, costumamos inverter um pouco as festas cristãs: quando chega o Natal nos lembramos das músicas de Páscoa, e na Páscoa cantamos as canções que falam do nascimento de Cristo. Seguindo esta heresia litúrgica, o dono da voz resolveu ressuscitar este espaço, achando que é mais um nascimento do que ressurreição, porque três anos não são três dias.