terça-feira, 29 de novembro de 2005

Da semelhança entre pós-graduação e alguns ideais do cristianismo

Dia desses, estava o dono da voz pensando que pós-graduação é quase um ato de fé: há seis anos atrás, ele deu o primeiro passo para ser um cientista, começando um curso na faculdade que não servia para muita coisa além de dar acesso à pós-graduação e, depois, à carreira acadêmica. Dizia-se que era um curso de dez anos: quatro de graduação, mais dois do mestrado e outros quatro de doutorado.

No caminho, ele começou a ver que não era tão simples: muita gente saindo com o diploma de doutor (neste caso, doutor mesmo, título obtido depois de concluído o doutorado strictu sensu), poucas vagas na universidade pública
(nada atratentes pela perspectiva financeira) para absorver essa gente. Nas universidades federais e estaduais dos centros mais desenvolvidos e por isso mesmo com melhores condições de trabalho, a concorrência é brutal: só entram candidatos com um ou mais estágios de pós-doutorado, de preferência no exterior, e muitos artigos publicados. No sistema privado de ensino superior, havia mais oferta de vagas, mas sem a possibilidade de fazer aquilo para o que se treinam os doutores: pesquisa. E a situação foi piorando, porque as instituições privadas passaram a contratar só o mínimo de doutores exigido, preferindo professores com menor qualificação e portanto recebendo salários menores para maximizar o lucro (aplicando aqui as teorias de administração que o dono da voz aprendeu com a irmã).

O resumo da ópera é que são pelo menos 12 anos para conseguir entrar no jogo, 12 anos para depois poder apostar na possiblidade de conseguir um lugar ao sol. É quase um terço da vida economicamente ativa de um brasileiro se considerarmos o tempo e a idade mínimos para a aposentadoria.

Daí que o dono da voz achou que isso parecia a promessa cristã: viva de acordo com os princípios de Cristo, que são excelentes mais quase impossíveis de serem seguidos à risca (o que não quer dizer que não valha a pena tentar...), na esperança de, no futuro, ver a justiça e a paz do Reino de Deus reinando na terra. Escolher o caminho mais difícil sem garantia nenhuma de recompensa.

O dono da voz até acha que vai conseguir. Ou, pelo menos, acredita nisso de vez em quando. Em parte do tempo, dá para fazer ciência pelo amor, pelo sentimento de que é uma atividade com incrível potencial de melhorar o mundo em que vivemos. De vez em quando, a esperança acaba, e só dá para continuar com essa maluquice ser cientista pela fé.