As mãos do dono da voz não são mais as mesmas. Destreinadas, já não podem mais correr velozes pelo teclado. Os dedos carregam um peso desconhecido, se atrapalham e erram a posição das teclas. Já não sabem saltar de um ponto ao outro com precisão: a mão esquerda se sai um pouco melhor quando se limita a cantar oitava acima e abaixo, quando faz o que é mais comum. Mas é lenta, incapaz de acompanhar com justiça a melodia. E não só as mãos, mas o cérebro também desacostumou-se a corrigir a rota dos dedos, a compreender o relevo harmônico do campo onde correm as notas da música e proibir os movimentos em falso, os pisões dos dedos médios nos pés das teclas que deveriam ficar quietas, e não controla mais o rebelde anular.
As pausas são mais necessárias agora: os dedos se cansam, os olhos não mais enxergam, num golpe de vista, todas as entrelinhas. O ritmo desacelera, algumas notas se perdem porque há que se priorizar o que pelo menos deixa a música reconhecível. Mais pausa: é preciso pensar para que lado cada mão vai correr, que dedos sobem e quais descem, quais armam o bote para o próximo acorde, a flexão do pulso, tudo é mais difícil agora do que já foi antes.
Então sobre o dono vem o silêncio. Já que as mãos não lhe deixam mais cantar, tornou-se calado. Vai já se acostumando para, quando ficar velho, não lamentar a falta da música.
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